quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Que ainda virão!


Tenho ouvido Marina esses dias. Além de ouvir as coisas que sempre ouço, novidades, descobertas de sons antigos, cd’s que acabei de comprar, sempre pego algum disco que tenho dela aqui e lá vou eu ouvi-la. Para mim não é só o que a música diz ali, mas o som dela me fala mais ou me faz ouvir mais do que as letras supõem. Eu me explico.

Sou de uma geração que cresceu ouvindo Marina. Tenho 34 anos bem fechados e, apesar de não saber se bem vividos, sempre costumo dizer que sou um autêntico filho dos anos 70 que passou ao largo dos 80 e que viveu, de fato, a vida nos anos 90. De fim do sonho setentista, passando pela deprê do horror nuclear dos 80 até chegar ao “tô nem aí” do hedonimso noventista e 00, passei cada um desses períodos meio que tocando cada uma das coisas que o tempo trazia ou, simplesmente, as observando, porque isso sei que faço bem.

Mas onde entra Marina nisso tudo???

Me explico de novo.

Marina surgiu no fim dos anos 70 e estourou nos 80 como um modelo da mulher jovem, bonita, sensual, com olho pintado e juba de leoa. Me desculpem essa descrição um tanto lugar comum, mas ela bate com a realidade porque ela, Marina, foi intitulada, à época, talvez sacada de gravadora para vender imagem, como a Marina Gata. De fato era, e ainda é, mas ela soube ser inteligente o suficiente para romper isso logo logo.

O interessante é que, nessa época, minha geração já ouvia, de longe, os hits dessa moça. Eram solares, juvenis e iluminavam bem aquele período em que o Brasil estava saindo da noite escura, que foi a era da ditadura militar, para uma fase de liberdade e democracia. Foi nessa época também que o rock nacional começou a produzir aquilo que se tornou as grandes bandas da época: Legião Urbana, Paralamas, Titãs, Ira, essa última a única a não se tornar uma banda de velhos senhores sisudos e caretas. A Legião soube acabar a tempo. Ainda bem.

Nesse painel super colorido, viver no Brasil, ou no mundo, era, aparentemente, mais fácil. A impressão é que todo mundo era jovem e que a vida era para se curtir, sim. Eu só via Fantástico e estudava, ah sim, e colecionava, como podia, meus discos de rock inglês. Tinha uns 12 ou 13 anos e observava o movimento do pessoal mais velho que eu, ouvindo muitas coisas boas e outras nem tanto e, acima de tudo, a fim de se divertir.

Lógico que Marina estava lá, com seus hits igualmente jovens e solares. Seus temas, nessa época, eram assim também, pois falavam de amores felizes, paquera e praia num Rio de janeiro certamente mais bonito e menos triste que hoje. Ou quem não se lembra do “todas de bundinha de fora” daquele sucesso pegajoso ? Essa música estava em um dos melhores discos dela, na minha opinião, que pertencem a esta fase sol e juventude. O disco se chama Virgem e a música de mesmo nome é a que abre este disco. Essa música, outro hit da época, mostrava alguém numa situação de acerto de conta amoroso: “as coisas não precisam de você / quem disse que eu tinha que precisar?”

Certeira na segurança de si, essa letra dava o tom de uma autonomia amorosa sem igual, prezando certamente a liberdade disponível quando se tem mais que 20 anos para experimentar as coisas e menos que 40 para escolher o que se quer ou temer tudo o que é não é seguro. O fato é que as letras de amor de Marina sempre refletiram, assim imagino, as fases de sua vida. E acabaram refletindo, talvez sem ela se dar conta, as fases da vida de toda essa geração que cresceu exatamente como eu, entre a decisão de ser gente grande e livre e o temor de crescer num mundo cada vez mais difícil.

Marina parece saber bem disso. Seus discos posteriores passaram a mostrar uma mulher mais madura, mais frágil e, às vezes, mais espantada com a passagem do tempo. Cada disco que era lançado era uma fase nova sendo exposta ali. Na mesma proporção que ela, sabiamente, foi deixando para traz sua face solar e gata de cabelos cheios e olhar sedutoramente desafiador, foi se mostrando mais sofisticada com um refinamento que ia das letras, muitas assinadas pelo irmão filósofo-poeta, até a concepção de capa e encarte.

Isso acabou criando um conceito, pelo menos para mim, de como um artista não se entrega à caretice geral nem faz concessões a nada. Paga-se um preço alto por isso, às vezes, mas pelo menos se garante a autenticidade. E são autenticidade e verdade pura que vejo e ouço nos discos que chamo de fase madura ou introspectiva que ela se lançou. Alguns diriam que triste, mas sinceramente não sei se é assim. O que sei é que tais discos mais uma vez dão o tom de minha geração, essa mesma que dançava nas festas adolescentes dos anos 80 querendo ser Robert Smith e que hoje está aí, tão introspectiva e talvez com alguma esperança como os discos de Marina nos faz ver.

Então vejamos.

Já em 91, no encarte de um disco que levava apenas seu nome, já com o sobrenome Lima, ela fazia um balanço de sua vida, aos 35 anos, e encerrava o texto, curto, dizendo que ter esta idade neste ano não era nada ruim. Neste disco já se notava uma sutil mudança em seu som e nas letras também, talvez já pela presença de um novo parceiro, Alvin L, que lhe deu a melancólica e definitiva Não sei dançar. Agora o recado está dado: mudanças estão por vir. E essas mudanças já se mostram no disco seguinte cujo titulo, O Chamado, já prenuncia uma Marina vivendo as perdas comuns a quem está vivo, como ela sinaliza no texto que acompanha o encarte, ao lado de citações de Saramago, Nietzsche e Joseph Campbell.

Neste disco, como em outros que viriam, as letras trazem temas como solidão, avaliação de relações e amores, é lógico, afinal quem não ama ou sofre por amor? Mas algo já se vê de diferente. Se em Virgem, há acertos de contas, em canções como Deixe Estar ou No Escuro, de, respectivamente, Pierrot do Brasil ( de 98) e Setembros ( de 01) os temas giram em torno de perdas e partidas.

Essas perdas já haviam produzido estragos mais físicos, pelo menos até onde se sabe, pois no disco de 96, Registros à meia voz, há faixas instrumentais talvez devido ao problema na voz que a acometeu e que parecia ser outra redefinição em sua carreira. Neste disco, com uma bela capa em azul, as melodias são sofisticadas com uma sonoridade que não lembra em nada a Marina Gata dos 80’s. E isso é ruim ou bom? Nada mais do que fugir desse maniqueísmo, pois ela, mais uma vez, se expressa inteira e, sem saber, espelha a mesma sensação de muitos brasileiros da época, pairando entre a desconfiança e alegria da era FHC e correndo atrás de como ser gente grande diante de tantas crises, econômicas, políticas e pessoais. Desta fase de perdas e acertos, destaco um disco que, na minha opinião, é um dos melhores da MPB. Seu nome? Pierrot do Brasil.
Produzido pelo iuguslavo Suba, que morreu tragicamente sem antes nos dar um disco de sua autoria, São Paulo Confessions, e a produção do belo Tanto Tempo de Bebel Gilberto, o Pierrot mostra uma sonoridade moderna sem ser afetada e uma sutileza nos sons eletrônicos que o fazem uma obra quase atemporal. Quem o ouviu sabe do que falo.

Mas o que quero chamar a atenção aqui é dos temas deste disco. Mais uma vez a euforia do início da carreira e a visão solar do mundo dão lugar a uma jovem senhora, já pós-balzaquiana, que encara a vida com a idade da madureza e, nem alegre demais nem triste que nos entristeça, faz um saldo das relações humanas, especialmente as amorosas, como se fossem as de todas nós.

Isso faz de Pierrot ser especial, mas não só por isso, afinal quase todas as letras ou são ajustes sentimentais, como em Na Minha Mão, ou revisão de sentimentos, como na já citada Deixe Estar e em Portos e Vinhos. Mais belo que isso só aquelas outras presentes em Setembro, disco mais arejado e feito em casa, com os bits e tóins do Pierrot, ou no último, Lá nos Prmórdios, onde, numa faixa, Que ainda virão, na minha opinião uma das melhores dele, ela nos diz que “o sol brilha no azul / que aponta novos caminhos / quem sabe logo virão /me achar “.

Essa retomada, presente neste disco, é a mesma que muitos de meus partners de geração ainda hoje estão fazendo, ora alegres, ora menos sorridentes, mas certamente mais amadurecidos pelas perdas e conquistas que este tempo nos deu. A trilha sonora disso tudo? Bom, a minha é extensa, e acredito até que descontínua, mas sei que muito do que essa mulher cantou acompanha esse meu amadurecimento. Disso não tenho dúvidas. Ouçam Marina, quarentões, trintões e oitentões...e saberão do que falo.




Um comentário:

Unknown disse...

Olá,
só queria dizer que o seu texto sobre a Marina está fantástico. Legal como você cosegue captar tudo aquilo o que eu sinto nela e não conseguia exprimir. Bom, eu nasci em 82, mas sou fã incondicional da M.L; Talvez eu goste justamente por ter visto essa fase mais madura (eu poderia dizer meio escura também) dela...
Bom, obrigado!
Gostei!