terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Outras trilhas sonoras de outros dias

Estou a caminho do carnaval em Recife. Não que adore carnaval, até porque multidões e empurra-empurra me deixam mais nervoso e tenso que o habitual. Não sei o que me espera e se soubesse, óbvio, não iria se fosse ruim e, pelo desejo que me rege neste instante, este não será um carnaval de mágoas nem melancolias, talvez de uma terna saudade.

Mas isso é assunto para o futuro, porque o presente, este que falo no momento que ele se esvai no percurso do tempo, tem sido feito de alegrias e medo de que a felicidade seja tão efêmera que só nos reste a tristeza como lembrança. e, como sempre, tenho ouvido muitas músicas, sempre associadas a essas fases, algumas muito ligadas a determinados fatos, outras sem relação com nenhum deles, mas todas servindo de trilha sonora dos dias.

Já havia escrito antes que tinha descoberto Jhonny Cash em uma versão ( se é que ali não é a máster de tão boa que ficou ) de Hurt do Nine Inch Nails. Depois disso, comprei vários de seus discos da série American, faltando, curiosamente, o lV que tem essa tal versão. No entanto, o lll trouxe outras que me chamaram igualmente a atenção.

Uma delas é That Old Lucky Sun cuja versão voz e violão de Cash me lembrou a que Ray Charles fez dessa música. Se alguém me perguntar qual a melhor, não saberei responder porque ambas são igualmente lindas e solenes em sua grandeza, ora pela letra religiosa, ora pela pungência da voz imperativa de Cash ou pela roquidão emocional de Ray.

No entanto, neste mesmo disco, nesses acasos de uma música que toca displicente e você a “vê” de outro modo, eis que surge outra cujos versos iniciais me chamaram a atenção de cara. A música se chama I see a darkness. Não sei se minha interpretação está equivocada, mas essa letra é uma bela declaração de amor na qual joga-se de modo aberto e sem chances de “faz de conta”. Ou será que estou enganado? Ainda fiquei intrigado com o darkness que ele vê e repete em seu refrão marcado por uma emocionada virilidade. Ouçam e tirem suas conclusões.

Bjork e o Sexo

Sempre falo, e vou continuar falando por um longo tempo, que, depois de Vespertine, Björk já podia ter se aposentado. Não que ela mereça a aposentadoria, até porque, tirando aquela trilha sonora feita para um filme do marido, ela é uma das poucas que não cedem aos apelos fáceis, seja lá o que esse chavão queira dizer. Para isso basta ouvir o Volta, de preferência de madrugada com o dia se abrindo entre luz e escuridão. Se tiver boa companhia para isso, então seja feliz. Quem o ouviu sabe do que falo.

Mas falo sempre de Vespertine porque ele é único, é o tipo de obra que marca tanto um artista que ele será sempre lembrado por ela. Os sons de harpas, barulhos sutis ( salve, Matmos !!! ), os sinos de caixas de música e o coro feminino criam uma sensação tão etérea que é como se, em cada audição, houvesse outro mundo surgindo ali, criando uma sensação de intimidade e introspecção. Não sei, mas acho que não estou exagerando, até porque as letras nos levam a isso. Tanto Hidden Place quanto Pagan Poetry são músicas que trazem todos esses elementos e tocam no amor de modo paradoxalmente carnal e transcendente.

Falar de sexo, para mim, sempre é delicado porque o cara que escreve, ou a mulher, neste caso, tem que saber o limite entre resvalar na grosseria ou ser sutil o suficiente que não agrida aos ouvidos mais pudicos, como os meus, acreditem. Faço esse comentário porque Björk consegue transpor a sexualidade de modo quase cru, mas não tão chocante que quebre essa frágil sensação de intimidade silenciosa que só os casais sabem quando estão no escuro de sua partilha, seja onde for.

Falo isso porque nesse disco há uma canção chamada Cocoon que trata exatamente disso. Bjork já havia falado de sexo em metáforas quentes em Possibly Maybe, do disco Post, mas em Cocoon há um clima de velada intimidade na qual os sussurros da cantora e a letra confessional sacralizam de tal modo o amor que quase não se percebe que ali há,de fato, uma relação sexual da mais intensa beleza.

Era para falar de Billie Holiday e seus discos finais, mas isso fica para pós carnaval.....

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