quarta-feira, 7 de novembro de 2007

canto escuro onde me conforto


Sempre falo que não há nada melhor do que sair de casa, estar longe da família, viver, enfim, sob a própria lei. Alguns me ouvem falar isso e acham um horror. Talvez lendo isso agora certamente discordarão e eu acho ótimo que discordem porque isso só me faz pensar em como argumentar a meu favor e defender essa idéia.

Saí de casa aos 14 anos, quase 15, um ET, um bobo, que sempre esteve ligado teluricamente a casa, aos quartos, às pessoas, aos livros, às sombras projetadas nas paredes no final da tarde e às músicas do rock inglês que tomavam conta do Brasil nos anos 80. Certamente era um ingênuo que não sabia muita coisa do que fazer no futuro e comodamente contente pela segurança de ter pai, mãe, irmãs e uma leva de pessoas que, cada uma ao seu modo, me garantiam o equilíbrio de estarem por perto, para tudo.

Não havia crise de modo algum, a não ser aquelas bobas, típicas dos adolescentes em fim de infância, o que, para mim, hoje, me faz ver como eu era um incomum dentro do universo dos comuns: gordo, míope, tímido e instrospectivo, um erro, sob vários aspectos, inclusive, e sobretudo, os práticos. Daí que, para mim, ir embora, ou melhor, ter que ir a uma terra estranha, longe desse universo de equilíbrio e paz, seria como ganhar um doce cuja embalagem era sedutoramente linda mas o gosto poderia ser ambíguo: ora prazerosamente doce, ora surpreendente pelo fel que podia vir.

Ainda assim, achei aquilo importante. Estar longe de casa me fez, de fato, sair das ilusões bobas que nos dão uma certa segurança, as mesmas que nos fazem achar que podemos contar com todos a qualquer hora. Afora o fato de que nem sempre há pessoas dispostas a te ouvir, ainda vem junto aquele desejo de que as coisas mudem ou que mais vale ter um mundo todo a provar do que ficar no canto quente e escuro e cheio de conforto que a casa paterna/materna nos traz. A contragosto talvez, optei pela segunda, se é que alguém que não sabe nem para onde ir pode optar. Ainda hoje sinto falta dos manuais com o Know-How de como viver sem buscar sentido em tudo.Nessa época então...só sabia ler coisas esparsas, ir às bibliotecas e me jogar no abismo da dúvida.

Falando assim mais parece que defendo o oposto do que falei acima. Mas não. Continuo a defender a fuga, a ausência, o distanciamento dos pais e da segurança familiar. Estando longe, aprende-se mais rápido a lidar sozinho como coisas tão simples, como escolher uma camisa, a saber qual o melhor remédio quando se está doente, mais de solidão que qualquer outra coisa. Quem morou ou mora longe de casa, sabe do que falo.

Em fevereiro de 2008 faz 20 anos que me mandei. Não atribuo valores simbólicos a esse número, a não ser aquilo que é óbvio e que se mostra na minha cara e no que fiz de lá para cá. Apesar da distância, sempre me parece muito perto e muito pouco tempo. Quando volto à casa de meus pais, já homem feito e sem tantas esperanças de quando saí de lá, não olho e nem lembro do passado, uma vez que, como já falei aqui, não sou saudosista, mas é como se ali fosse o canto escuro onde me conforto, sempre presente e seguro para quando eu voltar, nem que seja por alguns momentos ou dias, afinal o mundo ainda está todo aberto às descobertas.

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