sábado, 7 de fevereiro de 2009

Os modernos


Esses dias, lendo um dos capítulos de Devassos no Paraíso, livro no qual João Silvério Trevisan traça um vasto panorama gay no Brasil, desde a fase colonial até os dias que seguem, li uma frase que, afora sua simplicidade, me chamou atenção.

Vou transcrevê-la:

“(...) a permissividade de nossas sociedades autoproclamadas democráticas é uma fórmula diabólica graças à qual as pessoas encenam liberação para, na verdade, apenas tirar uma casquinha e, em última análise, não liberar nada.”

O mais curioso é que essa frase, fora do contexto dela, cabe à perfeição a um grupo que já venho notando há algum tempo e que, diferente daquele ao qual Trevisan se refere (ele fala das mídias e suas apropriações do universo gay), é traduzido por essa frase. O tal grupo é o que eu chamo de pseudomodernos ou os supermodernos.

Identificá-los não é difícil, pois eles estão soltos por aí, dispersos em shoppings, escolas, academias, universidades, bares (modernos e caretas) e onde mais possam ir. A sua modernidade se traça em roupas, cores, cabelos exóticos, marcas no corpo e muita atitude, seja lá o que isso for.

O discurso, ah o discurso, o mais radical possível, e se for efusivo, daqueles que todos têm de ouvir, pronto: você tem o mais moderno dos modernos, aquele que quer destruir o sistema (nem sei o que é isso....sistema parece ranço de estruturalista), que deseja romper as normas e que quer, acima de tudo, que todos (todos mesmo!!!) saibam que ele (ou ela) é moderno.

Daí que você vai ouvir que ele se droga pra caralho, que adora trepar com homens e mulheres, que fez várias tatuagens no corpo, que não liga pras tendências da moda e muito menos para as regras do mundo.

O discurso, o velho discurso.

No entanto, tal discurso se borra, as roupas se esvaem na falta de sentido quando esses autoproclamados arautos da ultra-liberdade moderna se dão de cara com fatos cotidianos da realidade.

Aí me lembro de um fato, curioso, que um amigo me contou há uns anos, de uma moça, linda, cantora, modelo, antenada com as coisas e que, ao descobrir que ele, o qual se interessou por ela um tempo, era gay ficou em choque. Em segundos a casca moderna se rompeu e ela inverteu seu discurso em acusações que beiravam a crueldade, segundo esse amigo que, por sinal, não vejo há tempos. Deve ter se protegido dos modernos e está em alguma montanha distante. O mais curioso disso é que ela, tão aberta às coisas do mundo, não concebesse que um gay possa se envolver com uma mulher. A modernidade ás vezes soa velha.

Ou outro caso, de uma moça que resolveu contar numa reunião de trabalho que era lésbica e todos ( modernos recifenses que adoram posar de nova-iorquinos blasé nos bares da Galeria Joana D’arc) fingiram naturalidade, quase fizeram um “yeahhhh”. No entanto, de saída de carona com um grupo, essa moça teve de ouvir um comentário nada moderno do tipo: “vamos embora logo, antes que aquela sapatão apareça”. Coisa de modernos. Lógico que o infeliz, ao vê-la no carro, se arrasou diante de sua máscara ter caído e se desculpou o máximo que pôde. Fazer o quê?

Acredito que, muitas vezes, essa forma de expor um discurso prafrentex pode passar pela necessidade de se integrar a grupos ou ambientes onde a tolerância seja a regra, nem que tal tolerância seja apenas um grande teatro. Daí que se criam lugares, bares, boates, festinhas de “gente esquisita” para onde muitos dos antenados vão. Fujo de todos esses. Talvez essa necessidade de afirmação também se dê em gente muito mais nova, ainda também que não seja garantia de que pessoas mais velhas não possam, ainda, estar sob a influência da modernidade de aparência.

Em relação aos mais novos, já me vem aquela sensação de leve pânico quando encontro algum pós-adolescente muito efusivo e, como falam, “alternativo”, pois nunca sei o que pode acontecer, se berram muito alto pra expor o quanto ele é simpático ou se vão falar de suas experiências recentes pra fugir do comum com uma ansiedade tão grande que as palavras mal saem da boca. Como já disse, o discurso, ah o discurso, às vezes pode escamotear preconceitos, falsear, daí que tem que ser muito bem dito.

Isso me lembra dois fatos, distintos, mas que definem bem estes tempos pós-modernos de palavras vazias e atitudes de teatro ou de surpreendente naturalidade sincera que muitas vezes a idade dá. Isto se deu com uma senhora, já idosa, por volta dos 80 anos, que adorava ver os netos com brincos e tatuagens porque achava lindo, ao contrário de sua filha, muito mais nova, que via naquilo um caso claro de viadagem. Ou dessa mesma senhora que trocava presentes e mandava biscoitos e queijo para a namorada da neta. Detalhe: ela nunca foi a lugares de gente linda e conectada com o mundo e muito menos tinha atitude, como já falei, seja lá o que isso for. Não sei, mas desconfio que um discurso mal ajambrado não resiste à maturidade e que certos jovens são bem mais velhos que a gente pensa.

Aí me lembro do outro fato, sem conexão com o que acabei de falar, de uma moça, muito jovem, moderna, efusiva, polêmica entre seus pares, que, ao ver uma foto de amigos, um ao lado do outro com distância de metros, e que estavam tomando banho num rio em uma festa cheia de jovens, modernos, super-modernos, mega-modernos, sexagenários, quase octogenários e cheirando a um ambiente muito família, soltou a seguinte pérola: “porra, bicho, parece sauna gay”. Não acreditando no que ouvi, fiquei apenas calado

Aí me veio aquele poema de Drummond, já bem conhecido, e com o qual muito me identifico. Ei-lo:

Eterno

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.
Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,a vida eterna,o fogo eterno.
(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)
— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.
Eternalidade eternite eternaltivamente eternuávamos eternissíssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.
Eterna é a flor que se fana
se souber florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma
força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos;
e passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um
mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos
afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.
Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma
essência ou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde
pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma
esponja no caose entre oceanos de nada
gere um ritmo.
(Carlos Drummond de Andrade)

Quero, definitivamente, ser antigo, quadrado e careta.

E que Deus nos salve dos modernos...






Um comentário:

filipe disse...

eu vejo o futuro repetir o passado!