domingo, 7 de junho de 2009

dos acasos



Para Alice e Romero


Talvez já tenha acreditado em acasos ou acho que ainda acredito, não tenho certeza. Na verdade, não tenho pensado muito nisso, assim como não tenho pensado tanto em coisas, por assim dizer, tão sérias. Talvez vivê-las seja mais simples, mas também não sei se isso é uma certeza ou se é um chavão velho, gasto, feio e brega. Mas o acaso, ou seja lá que explicação se dê para isso, às vezes me prega peças. E eu adoro.

Há meses, ou seriam anos, entrei numa livraria e fui atendido por uma menina, delicada, sinceramente educada, e o que mais o particípio possa me dar. Seu nome me ficou gravado na memória. Há aproximadamente 8 meses reencontrei esta menina, o que não me deixou de ser uma surpresa, pois ela passou a ser minha aluna. De pronto disse seu nome e, se a memória não me cria uma cena de filme, falei sobre o livro que procurava quando fui atendido por ela naquele dia perdido no passado. O livro era Cem anos de solidão, de Garcia Márquez, que eu buscava para presentear um amigo.

Essa menina era feita de silêncios, e pessoas silenciosas para mim se tornam enigmas, me olham, me perscrutam, viram uma esfinge. Ela sentava no canto e eu sempre fui meio temeroso em lhe falar. Podia feri-la, atiçar seu instinto crítico ou me expor ao ridículo em alguma palavra simpática que lhe lançasse, afinal pessoas do silêncio são imprevisíveis em seu mistério.

Continuamos assim, simpáticos um ao outro,mas distantes, até que um dia vi um verso de Bishop que adoro, retirado de seu poema Uma arte ( já posto aqui ) e colocado no perfil do Orkut dela. Nisso, encontrei um fio e o puxei: era a poesia. Falei a ela de Orides Fontela, poeta de palavras curtas, ás vezes ásperas, e sempre profundas, e assim criamos um canal mediado pela palavra poética. Emprestei a ela a obra completa dessa poeta, ela me devolveu com um delicado origami de cisne, até hoje guardado na página onde ela deixou, porque não sou de destruir delicadas gentilezas. Ia lhe levar Celan, na falta de outros poetas metafísicos e tive uma surpresa: ela havia trancado o curso e se mudado, para longe.

Curiosamente, passamos a nos comunicar na virtualidade, esporadicamente, tratando de temas comuns a nossos gostos, tais como: música e poesia. Ou seja, se nos faltava algo para falarmos ou nos aproximarmos quando nos víamos quase todos os dias, talvez por uma timidez insuspeita ou os temores que falei acima, agora, a quilômetros distantes, trocamos as sensações e impressões que livros, poesias e canções nos causam, talvez numa forma de compensar o silencio de duas almas tímidas que se cruzavam tanto nos corredores da universidade.

Não sei se foi um acaso que fez nos encontrarmos, na loja, e, tempos depois, na universidade, mas desse (re)encontro surgiu algo que é sutil,leve, especial e que não tem um nome definido. Não sei quantos irmãos ela tem, nem quais planos ela traça para seu futuro. O que sei é que, comigo, muitas de minhas boas amizades só surgem no contrafluxo de um encontro, tal como esse, iniciado num dia distante de uma livraria qualquer no meio de uma cidade sabe Deus onde fica.

Foi assim também com um rapaz o qual vejo pouco, quase não tenho falado, mas que surgiu assim, quase ao acaso, e que passou por todos os percalços que alguém pode passar ao se aproximar de alguém tantas vezes duro como eu. Um dia, quando nos falamos pessoalmente, teve a sutileza de me falar sem palavras, me passando um livro como presente e, dentro dele, um poema de Bandeira que sigilosamente guardo.
Essas boas sensações descobertas me trazem descobertas de sensações que julgava não mais viver e isso fica retido em minha memória afetiva como se fosse um dia em que a gente se sente bem só porque recebeu uma carta de alguém que a gente não vê há tempos, mas que, de repente, o acaso, que nem sei se acredito, nos faz lembrar.